domingo, 8 de outubro de 2017

AS MANIFESTAÇÕES DE 2013 NO BRASIL E A TEORIA DAS OPORTUNIDADES POLÍTICAS

AS MANIFESTAÇÕES DE 2013 NO BRASIL E A TEORIA DAS OPORTUNIDADES POLÍTICAS


Para o sociólogo Rory McVeigh, que estuda movimentos sociais na Universidade de Notre Dame, manifestações ocorrem por que brasileiros perceberam que momento é favorável. A proximidade da Copa e da Olimpíada deixam Brasil exposto ao mundo e, portanto, tornam governo vulnerável a demandas.

A proximidade dos grandes eventos esportivos que o Brasil vai sediar nos próximos anos colocou o país em exposição para o resto do mundo.

Os ativistas que tomaram as ruas do país sabem que essa vitrine é frágil, pode se estilhaçar como as janelas das lojas alvejadas pelos manifestantes mais exaltados. Jogam com a expectativa de que as autoridades atuarão como defensoras da imagem do país e, por isso, estariam mais propensas a ceder a demandas.

Esse enredo se encaixa na teoria da oportunidade política que, para o sociólogo americano Rory McVeigh, ajuda a elucidar os recentes protestos no Brasil.

McVeigh, diretor do Centro para o Estudo de Movimentos Sociais da Universidade de Notre Dame, diz que, com a redução do preço das passagens, a tendência é que novos pleitos surjam e as manifestações continuem pelo menos por um tempo. Leia trechos da entrevista com o pesquisador.
(ÉRICA FRAGA).


Folha - As manifestações no Brasil causam surpresa, considerando que a renda dos mais pobres aumentou nas últimas décadas e que a presidente, Dilma Rousseff, tem popularidade alta?

Rory McVeigh - Na verdade, os acontecimentos no Brasil parecem em linha com o que a pesquisa e a teoria sobre movimentos sociais nos levariam a esperar.
Há muito tempo, acadêmicos que estudavam movimentos sociais acreditavam que os protestos seriam mais prováveis quando as condições de vida piorassem. Mas geralmente não é assim que as coisas funcionam e, há algumas décadas, surgiram novas teorias que desbancaram essa sabedoria convencional.

Que teorias são essas?

A teoria de mobilização de recursos e a teoria da oportunidade política tratam o descontentamento como causa talvez necessária, mas não suficiente para o protesto coletivo. Acadêmicos dessas tradições chamam a atenção para como a desigualdade, a pobreza, a injustiça etc. estão difundidos na sociedade, mas só raramente você vê protestos emergindo.

Quais são as diferenças entre essas duas teorias?

Acadêmicos da tradição da mobilização de recursos enfatizam que os protestos são mais prováveis quando aqueles que têm razão para protestar ganham acesso a novos recursos, que por sua vez fazem com que as manifestações possam produzir resultados (como dinheiro, liderança e infraestrutura). Eles também ressaltam a importância de redes de contatos entre os possíveis manifestantes.
Os teóricos da oportunidade política, de forma geral, concordam com esses argumentos, mas enfatizam o contexto político que fornece ou não incentivos à ação. A ideia é que as pessoas tendem a protestar quando o contexto político é mais aberto ou favorável. As pessoas não vão gastar tempo e esforço para engajamento se acharem que será inútil protestar.

Que teoria explica melhor os eventos recentes no Brasil?

Acho que a teoria da oportunidade política. Claramente, havia insatisfação em relação ao preço do transporte público, que pode ser visto como o gatilho dos protestos. Mas, embora as condições de vida tenham melhorado no país, muitas pessoas gostariam de ver o governo fazer mais para atender suas necessidades.

Os protestos começaram por causa do aumento das passagens, mas outras demandas mais difusas surgiram. É normal que isso ocorra?

Sim. Uma vez que os resultados começam a surgir, outros grupos entendem que eles também podem ganhar novas concessões se forem para as ruas.
Tenho certeza de que, com a proximidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas, muitos brasileiros percebem que o país estará sob os holofotes e que isso torna o governo mais vulnerável a novas demandas para transmitir uma impressão favorável do Brasil.

O que deve ocorrer agora que os governos locais começaram a ceder à pressão pela queda da tarifa do transporte?

Provavelmente, isso inspirará novas demandas, pelo menos por enquanto.

Que papel as redes sociais na internet têm desempenhado nesse tipo de protesto?

As pesquisas mostram que os vínculos criados em redes sociais são cruciais para os protestos. Geralmente, as pessoas se envolvem em protestos porque estão conectadas com outras pessoas envolvidas. Elas ficam menos inclinadas a participar se apenas ouvem sobre os eventos na mídia.

Os protestos ocorridos em outras partes do mundo podem ter inspirado os manifestantes brasileiros?

Acho que sim. Tudo isso se encaixa na teoria da oportunidade política. As pessoas ficam mais inclinadas a participar se percebem que suas ações podem provocar resultados positivos.
Mas nós normalmente operamos com informação limitada sobre o que acontecerá quando participarmos em determinada ação. As expectativas das pessoas sobre o resultado de suas ações são, em certa medida, moldadas pelo que observam no mundo ao redor.
Se estão conscientes de outras campanhas pelo mundo e percebem que alguns protestos geraram resultados, aumentam suas expectativas sobre o que poderá ocorrer se forem para as ruas.

Nos protestos no mundo árabe, havia um desejo de derrubar regimes autoritários. No Brasil, vivemos em uma democracia, apesar de existir insatisfação com a forma como a política é conduzida. Os protestos podem alterar algo nesse sentido?

Há talvez diferenças na forma como os protestos se desenvolvem em países democráticos e em países não democráticos. Muito do que falei pressupõe que estamos falando de democracias, porque nas democracias os governantes têm, de alguma forma, contas a prestar a quem representam.
Outro aspecto a ser considerado é que os movimentos de protestos normalmente levam à formação de contramovimentos, que se organizam em oposição aos objetivos iniciais do movimento.
Nos EUA, por exemplo, movimentos conservadores surgiram e têm sido capazes de exercer influência sobre o processo político.
Os governantes em nações democráticas estão em geral preocupados em se manter no poder e precisam descobrir como fazer isso frente às demandas de seus eleitores e de outros grupos.