AS MANIFESTAÇÕES DE 2013 NO BRASIL E A
TEORIA DAS OPORTUNIDADES POLÍTICAS
Para o sociólogo Rory McVeigh, que estuda
movimentos sociais na Universidade de Notre Dame, manifestações ocorrem por que
brasileiros perceberam que momento é favorável. A proximidade da Copa e da
Olimpíada deixam Brasil exposto ao mundo e, portanto, tornam governo vulnerável
a demandas.
A proximidade dos grandes eventos esportivos que o
Brasil vai sediar nos próximos anos colocou o país em exposição para o resto do
mundo.
Os ativistas que tomaram as ruas do país sabem que
essa vitrine é frágil, pode se estilhaçar como as janelas das lojas alvejadas
pelos manifestantes mais exaltados. Jogam com a expectativa de que as
autoridades atuarão como defensoras da imagem do país e, por isso, estariam
mais propensas a ceder a demandas.
Esse enredo se encaixa na teoria da oportunidade
política que, para o sociólogo americano Rory McVeigh, ajuda a elucidar os
recentes protestos no Brasil.
McVeigh, diretor do Centro para o Estudo de
Movimentos Sociais da Universidade de Notre Dame, diz que, com a redução do
preço das passagens, a tendência é que novos pleitos surjam e as manifestações
continuem pelo menos por um tempo. Leia trechos da entrevista com o
pesquisador.
(ÉRICA FRAGA).
Folha - As manifestações no Brasil causam surpresa,
considerando que a renda dos mais pobres aumentou nas últimas décadas e que a
presidente, Dilma Rousseff, tem popularidade alta?
Rory McVeigh - Na verdade, os acontecimentos
no Brasil parecem em linha com o que a pesquisa e a teoria sobre movimentos
sociais nos levariam a esperar.
Há muito tempo, acadêmicos que estudavam movimentos
sociais acreditavam que os protestos seriam mais prováveis quando as condições
de vida piorassem. Mas geralmente não é assim que as coisas funcionam e, há
algumas décadas, surgiram novas teorias que desbancaram essa sabedoria
convencional.
Que teorias são essas?
A teoria de mobilização de recursos e a teoria da
oportunidade política tratam o descontentamento como causa talvez necessária,
mas não suficiente para o protesto coletivo. Acadêmicos dessas tradições chamam
a atenção para como a desigualdade, a pobreza, a injustiça etc. estão
difundidos na sociedade, mas só raramente você vê protestos emergindo.
Quais são as diferenças entre essas duas teorias?
Acadêmicos da tradição da mobilização de recursos
enfatizam que os protestos são mais prováveis quando aqueles que têm razão para
protestar ganham acesso a novos recursos, que por sua vez fazem com que as
manifestações possam produzir resultados (como dinheiro, liderança e
infraestrutura). Eles também ressaltam a importância de redes de contatos entre
os possíveis manifestantes.
Os teóricos da oportunidade política, de forma
geral, concordam com esses argumentos, mas enfatizam o contexto político que
fornece ou não incentivos à ação. A ideia é que as pessoas tendem a protestar
quando o contexto político é mais aberto ou favorável. As pessoas não vão
gastar tempo e esforço para engajamento se acharem que será inútil protestar.
Que teoria explica melhor os eventos recentes no
Brasil?
Acho que a teoria da oportunidade política.
Claramente, havia insatisfação em relação ao preço do transporte público, que
pode ser visto como o gatilho dos protestos. Mas, embora as condições de vida
tenham melhorado no país, muitas pessoas gostariam de ver o governo fazer mais
para atender suas necessidades.
Os protestos começaram por causa do aumento das
passagens, mas outras demandas mais difusas surgiram. É normal que isso ocorra?
Sim. Uma vez que os resultados começam a surgir,
outros grupos entendem que eles também podem ganhar novas concessões se forem
para as ruas.
Tenho certeza de que, com a proximidade da Copa do
Mundo e das Olimpíadas, muitos brasileiros percebem que o país estará sob os
holofotes e que isso torna o governo mais vulnerável a novas demandas para
transmitir uma impressão favorável do Brasil.
O que deve ocorrer agora que os governos locais
começaram a ceder à pressão pela queda da tarifa do transporte?
Provavelmente, isso inspirará novas demandas, pelo
menos por enquanto.
Que papel as redes sociais na internet têm
desempenhado nesse tipo de protesto?
As pesquisas mostram que os vínculos criados em
redes sociais são cruciais para os protestos. Geralmente, as pessoas se
envolvem em protestos porque estão conectadas com outras pessoas envolvidas.
Elas ficam menos inclinadas a participar se apenas ouvem sobre os eventos na
mídia.
Os protestos ocorridos em outras partes do mundo
podem ter inspirado os manifestantes brasileiros?
Acho que sim. Tudo isso se encaixa na teoria da
oportunidade política. As pessoas ficam mais inclinadas a participar se
percebem que suas ações podem provocar resultados positivos.
Mas nós normalmente operamos com informação
limitada sobre o que acontecerá quando participarmos em determinada ação. As
expectativas das pessoas sobre o resultado de suas ações são, em certa medida,
moldadas pelo que observam no mundo ao redor.
Se estão conscientes de outras campanhas pelo mundo
e percebem que alguns protestos geraram resultados, aumentam suas expectativas
sobre o que poderá ocorrer se forem para as ruas.
Nos protestos no mundo árabe, havia um desejo de
derrubar regimes autoritários. No Brasil, vivemos em uma democracia, apesar de
existir insatisfação com a forma como a política é conduzida. Os protestos
podem alterar algo nesse sentido?
Há talvez diferenças na forma como os protestos se
desenvolvem em países democráticos e em países não democráticos. Muito do que
falei pressupõe que estamos falando de democracias, porque nas democracias os
governantes têm, de alguma forma, contas a prestar a quem representam.
Outro aspecto a ser considerado é que os movimentos
de protestos normalmente levam à formação de contramovimentos, que se organizam
em oposição aos objetivos iniciais do movimento.
Nos EUA, por exemplo, movimentos conservadores
surgiram e têm sido capazes de exercer influência sobre o processo político.
Os governantes em nações democráticas estão em
geral preocupados em se manter no poder e precisam descobrir como fazer isso
frente às demandas de seus eleitores e de outros grupos.