A CONTRIBUIÇÃO DE MARX PARA A TEORIA DOS
MOVIMENTOS SOCIAIS
Nildo
Viana*
Resumo:
O artigo tematiza a possível contribuição de Karl Marx
para a compreensão e análise dos movimentos sociais. Tendo em vista a
importância da obra de Marx e sua capacidade explicativa de diversos fenômenos
sociais, uma das razões para ser considerado um autor clássico da sociologia,
filosofia, e diversas outras áreas do saber, partimos da hipótese de que este
pensador traz uma contribuição para a análise dos movimentos sociais. Após
alguns comentários sobre como alguns descartaram sua contribuição e como outros
a interpretaram, apresentamos as suas principais contribuições para a
estruturação de uma teoria dos movimentos sociais. A conclusão é a de que Marx
oferece diversas contribuições para uma teoria dos movimentos sociais, desde a
metodológica, passando pela teoria da história e do capitalismo, até chegar a
alguns apontamentos mais diretos sobre grupos sociais que são base de
movimentos sociais.
Palavras-Chave: Marx, Movimentos Sociais, Marxismo,
Grupos Sociais, Dialética.
Resumen:
El artículo
estudia la posible contribución de Karl Marx a la comprensión y análisis de los
movimientos sociales. Dada la importancia de la obra de Marx y su capacidad
explicativa de diversos fenómenos sociales, uno de los motivos para ser
considerado un autor clásico de la sociología, la filosofía, y muchas otras
áreas del conocimiento, se parte del supuesto de que este pensador aporta una
contribución al análisis de los movimientos sociales. Después de algunos
comentarios acerca de cómo algunos desestimaron su contribución y cómo otros
interpretan, presentó sus principales contribuciones a la estructuración de una
teoría de los movimientos sociales. La conclusión es que Marx ofrece varias
contribuciones a la teoría de los movimientos sociales, desde el metodológico,
a través de la teoría de la historia y el capitalismo, para obtener unos pocos
más notas sobre los grupos sociales directos que son la base de los movimientos
sociales.
Palabras clave:
Marx, movimientos sociales, marxismo, grupos sociales, dialéctica.
Qual é a possível contribuição de Karl Marx para a
compreensão e análise dos movimentos sociais? Talvez essa pergunta devesse ser
antecedida por outra: Marx oferece alguma contribuição para a análise dos
movimentos sociais? Por um lado, Marx é considerado um clássico da sociologia,
bem como de outras ciências humanas (ciência política, economia, etc.) e da
filosofia, e não poderíamos esquecer sua influência em diversas outras ciências,
incluindo as naturais. Como autor clássico e considerado por muitos como atual,
então certamente deve ter alguma contribuição para a compreensão dos movimentos
sociais. Por outro lado, é tido por alguns como um autor do século 19 (e alguns
até querem nos convencer que seria ultrapassado) e os movimentos sociais
emergiram sob forma embrionária a partir do final desse século, ou seja, quando
ele já havia morrido.
Sendo assim, as duas questões iniciais continuam válidas. O
nosso objetivo é responder estas indagações e para isso faremos o seguinte
trajeto analítico: em primeiro lugar, apresentaremos algumas posições de alguns
autores a respeito da possível contribuição de Marx para a análise dos
movimentos sociais; em segundo lugar, realizaremos um esclarecimento conceitual
que, de nossa perspectiva, é fundamental para nos posicionarmos diante dessas
questões; em terceiro lugar, apontaremos quais são as contribuições de Marx
para uma teoria dos movimentos sociais, que é nossa posição e resultado de
nossa análise.
Marx e os Movimentos Sociais na Produção
Sociológica
Existem, basicamente, três posições dentro da produção
sociológica a respeito da possível contribuição de Marx para a análise dos
movimentos sociais: 1) aqueles que consideram que sua contribuição ainda é
atual e fundamental ou pelo menos que ele contribui de alguma forma; 2) aqueles
que delimitam tal contribuição a um período histórico específico ou apenas ao
caso do movimento operário; c) aqueles que negam tal contribuição. Estas duas
últimas muitas vezes se confundem e alguns autores passaram de uma posição para
outra no decorrer do tempo. Para fins didáticos, vamos denominar o primeiro
conjunto como contribuicionistas, relativistas e negativistas.
No primeiro caso, temos um conjunto de autores, de diversos
países e distintas concepções a respeito dos movimentos sociais que defendem a
existência e atualidade de Marx no processo explicativo desse fenômeno social.
Vamos lançar mão de alguns poucos casos concretos para demonstrar as principais
manifestações dos contribuicionistas.
Segundo Scherer-Warren, “a contribuição de Marx para a
análise dos movimentos sociais de libertação das classes socialmente oprimidas
foi uma das mais ricas já realizadas. A abrangência de seus estudos nesse
sentido torna difícil a tarefa de selecionar suas contribuições mais significantes”
(1989, p. 24). Essa autora afirma que todas as “categorias sociológicas” que
ela privilegia na análise dos movimentos sociais estão presentes no pensamento
de Marx. Tais “categorias sociológicas” seriam práxis, projeto, ideologia,
organização e direção dos movimentos sociais. Isso é coerente com a definição
de movimentos sociais apresentado pela autora, pois, em sua concepção, eles
seriam “uma ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização
dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de
princípios valorativos comuns (a ideologia) e sob uma organização diretiva mais
ou menos definida (a organização e sua direção)” (SCHERER-WARREN, 1989, p. 21).
A autora analisa esses tópicos e busca retomá-los ou relacioná-los com o
pensamento de Marx.
Essa posição, no entanto, nos parece muito problemática. Em
primeiro lugar, teríamos que concordar com sua definição de movimento social. E
seu conceito é demasiadamente amplo e por isso inaceitável, inclusive por poder
englobar partidos, classes sociais e diversos outros fenômenos sociais (VIANA,
2016a). O seu campo lexical, no aspecto semântico, é distinto do de Marx em
vários pontos, a começar pelo termo “ideologia”, que nesse autor é um sistema
de pensamento ilusório (MARX e ENGELS, 1982; MARX e ENGELS, 1979; VIANA, 2010) e
para a autora se tornou “princípios valorativos comuns”. A sua forma de
elaboração conceitual é bem distinta da que é realizada pelo método dialético
(VIANA, 2016a). Em segundo lugar, a sua análise da contribuição de Marx remete
ao que este autor aborda no caso do proletariado, a classe revolucionária constituída
pelo capitalismo segundo sua concepção. Ela transfere as afirmações de Marx,
relativas ao proletariado, para os movimentos sociais, o que é sem sentido e
equivocado, pois são fenômenos distintos[1].
Em último lugar, a autora realiza uma interpretação problemática do pensamento
de Marx, confundindo-o com o pensamento de Lênin, ao atribuir a ele uma
concepção de partido político como elemento de sua teoria da revolução e
confusão conceitual (como ocorre com o conceito de classes, por exemplo).
Segundo Maria da Glória Gohn, retomando Scherer-Warren, Marx
teria trazido como grande contribuição para a análise dos movimentos sociais o
conceito de práxis política. Ela afirma que “em suas análises históricas,
especialmente em Luta de classes na
França (1850), Dezoito Brumário de
Luiz Bonaparte (1852) e Guerra Civil
na França (1871), Marx explorou mais intensamente a questão da práxis
política dos movimentos” (GOHN, 2002, p. 177).
Essa autora busca confirmar sua pressuposição de que Marx
teria discutido os movimentos sociais a partir de algumas citações do mesmo,
que não custa reproduzir:
Assim, além dos distintos movimentos econômicos dos operários, surgem
em todos os lugares movimentos políticos, isto é, movimentos de classe, com o
objetivo de impor os seus interesses de forma geral, de uma forma que possui
força coercitiva-social geral. Se esses movimentos pressupõem certo grau de
organização prévia, em compensação eles igualmente significam meios de
desenvolver esta organização (MARX apud GOHN, 2002, p. 177).
Gohn não percebe que aqui Marx está abordando o movimento
operário, que é um movimento de classe, e não movimentos sociais. Esse equívoco
permanece na atribuição de referência aos movimentos sociais em outra citação:
“não se diga que o movimento social exclui o movimento político. Jamais haverá
movimento político que não seja ao mesmo tempo social” (MARX apud GOHN, 2002, p.
177-178).
Assim, Gohn toma as referências de Marx sobre movimento
operário e movimento de classe como se fossem referências aos movimentos
sociais. As análises históricas de Marx, o que é perceptível a começar pelos
títulos de suas obras citadas por Gohn, são as lutas de classes, ou seja,
movimento de classes e não movimentos sociais. A primeira citação de Marx apresentada
por Gohn mostra uma contraposição entre movimento econômico e movimento
político que é descontextualizada. A citação completa ajuda a compreender isso:
Mas, por outro lado, todo o movimento em que a classe operária enfrenta
como classe as classes dominantes e
tenta obrigá-las por meio de uma pressão externa é um movimento político. A
tentativa, por exemplo, de impor aos capitalistas isolados uma redução do tempo
de trabalho numa só fábrica ou num dado ramo industrial por meio de greves,
etc., é um movimento puramente econômico; em contrapartida, o movimento para
impor uma lei das oito horas, etc., é um movimento político. E deste modo surge
em toda a parte, a partir dos movimentos econômicos isolados dos operários, um
movimento político, isto é, um movimento da classe, para impor os seus
interesses de uma forma geral, de uma forma que possua força geral, socialmente
coercitiva. Se estes movimentos supõem uma certa organização prévia, eles são
igualmente, por seu lado, meio do desenvolvimento dessa organização (MARX,
2016, p. 216).
Marx se refere aqui ao movimento operário. Ele distingue
entre movimento operário “econômico”, ou seja, isolado, de movimento operário
político, isto é, tendo força geral e coercitiva. Neste último caso, temos um
movimento de classe, político. Seria impossível aplicar essa reflexão ao caso
do movimento negro ou feminino. A segunda citação comete outro equívoco. Marx
está se referindo, nesse caso, não especificamente a movimentos sociais e sim a
processos sociais. O parágrafo seguinte deixa bem claro isso: “somente numa
ordem de coisas em que não existam mais classes e antagonismos de classes as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas (MARX, 1989, p.
160). A contraposição que Marx efetiva aqui é entre o social e o político,
sendo que o primeiro está presente em todas as sociedades e o segundo é um
processo existente nas sociedades de classes. O uso da palavra “movimento”
(social ou político) não tem o sentido atribuído por Gohn e sim apenas para
mostrar a mudança e que toda mudança política é mudança social.
Um último elemento apontado por Gohn é o da questão da
solidariedade, que em Marx é uma questão específica do proletariado (ele
precisa romper com a divisão e competição imposta pelo capital e criar sua
unidade, associação, solidariedade), que é generalizado para todos os
movimentos sociais. Porém, além disso não estar presente no pensamento de Marx,
é um equívoco colocar a solidariedade como elemento fundamental para explicar
os movimentos sociais.
Uma outra forma de conceber a contribuição de Marx para a
análise dos movimentos sociais é a realizada pelos pesquisadores dos movimentos
sociais urbanos, movimentos sociais rurais, ou movimentos sociais populares em
geral. Esses contribuicionistas não extraem citações descontextualizadas e mal
compreendidas de Marx para afirmar que ele fez estudos sobre tais movimentos
sociais, mas sim extraem da sua obra uma determinada compreensão da sociedade e
dos problemas urbanos, rurais, populares, para explicá-los (CASTELLS, 1988;
CASTELLS, 1989; LOJKINE, 1981; BORJA, 1975). Nesse caso, se reconhece uma
contribuição do pensamento de Marx, mas indiretamente, com sua teoria do
capitalismo, das classes, luta de classes, etc. Castells (1988; 1989), por
exemplo, aborda os movimentos sociais urbanos a partir da questão da reprodução
da força de trabalho, cujo espaço de realização ocorre na cidade e em relação
com a estrutura urbana (transporte, moradia, etc.). Por questão de espaço nos
limitaremos a estas abordagens, às quais seria possível acrescentar muitas
outras.
A abordagem relativista é a daqueles que limitam a
contribuição de Marx a um período histórico específico ou ao caso do movimento
operário. Para grande parte dos autores do que se convencionou chamar “teoria
dos novos movimentos sociais”, o que preferimos denominar abordagem
culturalista, as contribuições de Marx se limitam ao passado histórico do
capitalismo:
Embora
cada qual tenha sua própria teoria da modernidade, [os representantes da
abordagem culturalista – NV] compartilham mais ou menos o mesmo argumento central.
Ao longo do século XX, uma mudança macroestrutural teria alterado a natureza do
capitalismo, cujo centro teria deixado de ser a produção industrial e o
trabalho. Uma nova sociedade se vislumbraria, dando lugar também a novos temas
e agentes para as mobilizações coletivas (ALONSO, 2009, p. 59).
Essa tese está presente em quase todos os autores que
defendem que vivemos numa “sociedade pós-industrial” ou “pós-moderna”. As
mudanças sociais teriam restringido a validade do pensamento de Marx ao período
anterior e por isso seria necessário novas abordagens para analisar os
movimentos sociais. A concepção marxista ortodoxa precisaria ser substituída
por uma nova abordagem (ALONSO, 2009; GOHN, 2002). Esse seria o caso de autores
como Touraine, Offe, Melucci, Laclau e Mouffe:
Partindo da inadequação do paradigma tradicional marxista, denominado
por alguns clássico ou ortodoxo, para a análise dos movimentos sociais que
passaram a ocorrer na Europa a partir dos anos 60 deste século, assim como
fazendo a crítica aos esquemas utilitaristas e às teorias baseadas na lógica
racional e estratégia dos autores (que analisavam os movimentos como negócios,
cálculos estratégicos, etc.), Touraine, Offe, Melucci, Laclau e Mouffe, entre
outros, partiram para a criação de esquemas interpretativos que enfatizam a
cultura, a ideologia, as lutas sociais cotidianas, a solidariedade entre as
pessoas de um grupo ou movimento social e o processo de identidade criado
(GOHN, 2002, p. 121).
No entanto, alguns destes autores já apontavam para um
rompimento com a tese da utilidade da concepção de Marx (e geralmente de tudo
que ficou conhecido como “marxismo”) para explicar os movimentos sociais. O
problema não seria apenas temporal, mas epistemológico. As correntes
pós-estruturalistas apontam para a recusa da totalidade, luta de classes, etc.
e assim consideram que nem no que se refere ao século 19 ou especificamente ao
movimento operário as teses de Marx foram válidas. Trata-se da posição negacionista,
que é geralmente derivada ou sucessora da relativista. Esse é o caso de Laclau
(1986) e Touraine a partir dos anos 1990 (GOHN, 2008) . A ideologia da
sociedade pós-moderna[2] ou
pós-industrial acabou gerando uma epistemologia negadora do marxismo. É nesse
contexto que a crítica ao pensamento de Marx deixa de ser por causa de
inadequação temporal e passa a ser por causa de sua inadequação epistemológica.
Essas análises (relativistas e negacionistas) possuem
limites que não poderemos explicitar em sua totalidade e detalhadamente, mas
tão-somente fazer algumas rápidas observações críticas, por questão de espaço. A
concepção relativista, segundo a qual as teses de Marx só eram válidas para o
século 19 e/ou para o movimento operário, é equivocada. As razões do equívoco
serão aprofundadas adiante quando abordarmos a contribuição de Marx para a
análise dos movimentos sociais. No entanto, é preciso adiantar aqui que a
teoria elaborada por Marx possui elementos que são expressão da época, do
momento histórico, e elementos essenciais da sociedade capitalista, que vão
além de sua época. Isso será melhor explicitado adiante, quando trataremos de
sua teoria do capitalismo. No caso específico dos movimentos sociais, sendo que
eles inexistiam na época da produção de Marx, estavam apenas anunciando o seu
nascimento, obviamente que ele não poderia analisar o inexistente e sua análise
do movimento operário e das lutas de classes não são aplicáveis a eles, mas
possuem relação com os mesmos e não é possível compreendê-los sem tal análise,
como desenvolveremos a seguir.
As diversas abordagens dos “novos movimentos sociais” são
problemáticas, pois suas bases teórico-metodológicas são frágeis e mesmo as
mais estruturadas são marcadas por problemas insolúveis, tal como uma recusa ou
má compreensão da historicidade. Da mesma forma, outro problema é a tese da
superação da sociedade “industrial”, “moderna”, “capitalista” por uma outra,
coisa que não ocorreu de fato (VIANA, 2009) . Seria necessário um
grande desdobramento teórico para mostrar o equívoco dessa concepção, mas nos
contentamos ao colocar que os autores que tentaram mostrar a alteração de uma
sociedade industrial em uma sociedade pós-industrial (ou “pós-moderna”) não
provaram absolutamente nada, pois, desde Daniel Bell (1969), passando por Alain Touraine (1970),
Claus Offe (1989) até chegar a Toni Negri
e Maurizio Lazzarato (2001), o que
fizeram foram apenas demonstrar que a sociedade moderna alterou alguns de seus
aspectos, como, por exemplo, aumentar o setor de serviços, o trabalho
“imaterial”, etc. Esses autores não demonstraram que ocorreu a criação de uma
nova sociedade. Aliás, a própria forma de expressão (“pós”) significa ficar
preso no que supostamente se superou (sociedade industrial, moderna, etc.,
gerando nomes como pós-industrial, pós-moderno), demonstra que não há novidade,
no nível essencial, pois nesse caso teria nome próprio (VIANA, 2009).
Os chamados “novos movimentos sociais” não são tão novos e a
ideia de novidade precisaria de uma fundamentação mais ampla. O movimento das
mulheres emerge embrionariamente no final do século 19, assim como o movimento
estudantil. Outros movimentos vão emergindo e o que surge, efetivamente de
novo, a partir do final dos anos 1960, é o movimento ecológico e pacifista. No
entanto, todos os movimentos sociais são incluídos entre os “novos”, o que
seria um equívoco. Aliás, a própria expressão “novos movimentos sociais” é um
equívoco, pois generaliza para todos os movimentos sociais o que ocorre com
apenas alguns. Vários autores já criticaram esse postulado (ALONSO, 2009) e
Gunder Frank e Fuentes (1989) afirmam, corretamente, que “os ‘novos’ movimentos
sociais não são novos, ainda que tenham algumas características novas” (p. 19).
Na verdade, emergiram alguns novos movimentos sociais, que são, aliás, pouco
abordados pelos representantes da abordagem culturalista, e os que já existiam
sofreram algumas mudanças, de acordo com a própria mudança do capitalismo, tal
como colocaremos adiante. Nesse sentido, a recusa da contribuição de Marx para
a teoria dos movimentos sociais é um retrocesso intelectual e nosso objetivo é,
a partir de agora, apresentar as contribuições deste autor.
Esclarecimento Conceitual
Antes de apresentarmos aquilo que consideramos a
contribuição de Marx para uma teoria dos movimentos sociais, é necessário
realizarmos alguns esclarecimentos conceituais. Para saber se Marx contribui ou
não com a análise dos movimentos sociais precisamos, anteriormente, definir o
que entendemos por isso. Aqui encontramos um dos problemas mais graves nas
abordagens dos movimentos sociais: o problema conceitual. Muitos autores não
definem o que entendem por movimentos sociais, mais ainda quando abordam
movimentos sociais específicos (negro, feminino, ecológico, estudantil, etc.).
Outros apresentam definições idiossincráticas, sem fundamentação e base
teórico-metodológica. Essas definições idiossincráticas são, muitas vezes,
empíricas, tal como observou Melucci (1989)[3]. As
definições empíricas dos movimentos sociais são aquelas que partem de um
movimento social, ou pior, uma mera organização ou ramificação de um, e o tomam
como modelo para definir movimentos sociais em geral. Outra forma de definição
é a modelar, fundamentada numa concepção racionalista criadora de modelos, que
realiza generalizações que geralmente nunca se aplica ao conjunto dos
movimentos sociais. Esse é o caso da definição de movimentos sociais de
Scherer-Warren que apresentamos anteriormente. As definições idiossincráticas
podem ser fundadas em casos empíricos ou então na imaginação daquele que faz a
definição.
Todas essas formas de definição de movimentos sociais são
distintas da concepção marxista, ou seja, da forma dialética de elaboração dos
conceitos. A elaboração dialética do conceito parte de uma teoria da realidade
e de uma teoria da consciência para elaborar os seus conceitos. O real, na
concepção dialética, é o concreto e este é entendido como histórico, total,
determinado. Como a célebre frase de Marx, “o concreto é o resultado de suas
múltiplas determinações” (MARX, 1983a). Qualquer
fenômeno social ou conjunto de fenômenos é histórico, não existiu desde sempre.
As classes sociais, o Estado, os movimentos sociais, surgiram num determinado
momento histórico, se desenvolve e perecem ou se transformam. Isso não ocorre
aleatoriamente ou gratuitamente, é um processo determinado. O Estado aparece
com o surgimento das classes sociais e suas lutas, sendo que ele surge para
expressar os interesses da classe dominante e amortecer os conflitos de classes
para que não haja revolução ou instabilidade que dificulte a reprodução dessa
sociedade. Um fenômeno social é uma totalidade inserida noutra totalidade mais
ampla que é a sociedade. O Estado é uma totalidade (que fica cada vez mais
complexa com o desenvolvimento da humanidade) inserida na totalidade da
sociedade em que existe. O mesmo vale para os demais fenômenos sociais. A
sociedade, entendida como o “conjunto das relações sociais” (MARX, 1989) é uma
totalidade que engloba em si diversas outras totalidades e é englobada por uma
totalidade maior (natureza, universo). Um fenômeno social é histórico e isso
ocorre também com o Estado e com a sociedade. O Estado surge num determinado
momento histórico, assume várias formas com a passagem de uma sociedade de
classes para outra, e tende a ser abolido com a superação do capitalismo. A sociedade surge com a própria humanidade e
se deixar de existir será junto com ela, mas assumiu diversas formas no
decorrer da história.
A dialética marxista também tem uma teoria da consciência. A
consciência dos seres humanos é um produto social e histórico, sendo,
igualmente, determinada e uma totalidade. Ela é o ser consciente, ou seja, o
indivíduo real, existente na vida real, que desenvolve sua percepção do mundo,
através de seu processo histórico de vida. Os indivíduos são seres reais,
históricos, falhos, e isso se manifesta na sua consciência. A consciência,
assim, pode ser verdadeira ou falsa, pois o saber verdadeiro não depende apensa
da capacidade mental dos indivíduos, mas, principalmente, das condições
sociais. A divisão social do trabalho, os modos de vida, interesses, etc.,
derivados dela, constituem limites para a consciência humana que somente uma
transformação social radical pode abolir de forma generalizada na humanidade. O
desenvolvimento da consciência é uma necessidade humana, mas determinadas
relações sociais acabam se tornando obstáculos para isso ocorrer. É por isso
que Marx tematizou a questão das ilusões e da ideologia (VIANA, 2013) .
Marx, na obra A
Ideologia Alemã (MARX e ENGELS, 1982), realizou a crítica da ideologia e
mostrou as bases das representações ilusórias (a divisão social do trabalho e
as relações sociais limitadas derivadas dela). No entanto, os seres humanos,
superando os obstáculos sociais, tem a capacidade de desenvolver uma
consciência correta da realidade e superar a consciência ilusória. Isso, para
ocorrer, tem que ter bases sociais reais. Se os interesses gerados a partir da
divisão social do trabalho, e a própria constituição dessa, são obstáculos para
uma consciência correta da realidade, então essa só pode surgir a partir
daqueles que possuem interesse em desenvolvê-la. Marx encontrou nas classes
sociais a base dos interesses, seja em ocultar a verdade ou em revelá-la. A
emergência da sociedade moderna gera o proletariado, classe que tem interesse
na verdade e necessita dela para sua autolibertação, que significa,
simultaneamente, emancipação humana. Nesse caso, ao invés de interesses
particularistas, como os da classe dominante e suas classes auxiliares, o
proletariado representa os interesses universais e por isso não recusa a
totalidade e o torna um de seus pressupostos.
No entanto, o proletariado não desenvolve uma consciência
correta da realidade, nem sob a forma de representações cotidianas, nem sob a
forma de teoria, pois ele tem esse interesse, mas está submetido à divisão
social do trabalho e à hegemonia burguesa, bem como tem menor acesso às
informações e condições sociais de reflexão e produção intelectual. Então como
emerge essa consciência correta da realidade? Através das lutas de classes, que
é quando o proletariado em sua luta se une, se organiza e desenvolve sua
consciência[4],
e isso ocorre de forma mais profunda e desenvolvida quando inicia um processo
revolucionário, pois o início da transformação social radical permite romper
com as ilusões, com os interesses imediatos que são obstáculos para o avanço da
consciência, com o processo de totalização da transformação. Contudo, as
experiências revolucionárias foram derrotadas e todas as revoluções proletárias
ficaram inacabadas. A retomada desse processo, no entanto, torna possível a
retomada da consciência correta da realidade generalizada no proletariado e todos
que o apoiam e que, uma vez realizada a revolução, se generaliza em toda a
sociedade.
Antes desse processo ocorrer, no entanto, já existem
indivíduos que avançam num sentido de uma consciência correta da realidade,
mesmo que poucos, marginalizados, estigmatizados, por não expressarem os
interesses dominantes, os interesses particularistas, não estarem seguindo os
modismos e ideias hegemônicas. Isso ocorre no interior do proletariado através
de alguns indivíduos que avançam no sentido de representações cotidianas
verdadeiras ou mesmo representações congruentes[5],
especialmente utopias. Isso também ocorre no caso de intelectuais, como o
próprio exemplo de Marx, mas também de outros pensadores, como Korsch,
Pannekoek, etc. Nesse último caso é que a consciência revolucionária assume a
forma de teoria, um saber complexo e amplo que consegue explicitar as relações
sociais reais tal como elas são, realizando a “crítica desapiedada do
existente”. Esses processos constituem não somente uma consciência correta da
realidade presente, mas também aquilo que Ernst Bloch denominou “consciência
antecipadora” (BICCA, 1987).
Assim, a emergência do proletariado como classe social e
suas lutas são determinações do surgimento da teoria, aqui compreendida como um
universo conceitual que expressa e explica a realidade social. A teoria é
expressão da realidade sob forma totalizante e os conceitos, tal como colocou
Marx (1989), são “expressões da realidade” em seus diversos aspectos.
Se o proletariado desenvolve sua consciência através de sua
luta contra a classe capitalista, ou seja, na luta de classes, é dessa luta que
os indivíduos de outras classes, incluindo os intelectuais, retiram suas fontes
de inspiração e elaboram conceitos e teorias. Essa base social e histórica da
elaboração dos conceitos é reforçada pelas necessidades da luta proletária, tal
como a compreensão das mutações do aparato estatal, a emergência e significado
dos movimentos sociais. A partir do momento em que surge a necessidade de
compreensão dos movimentos sociais, surge a necessidade de sua conceituação e
explicação. É nesse momento que se torna necessário um conceito e uma teoria
dos movimentos sociais.
A elaboração dialética dos conceitos é distinta dos modelos,
tipos ideais, etc. O objetivo é expressar a realidade tal como ela é, ou seja,
o compromisso com a verdade é sua base intelectual e não com manipulação, estratagemas
políticos, etc. Não se elabora um conceito para servir aos interesses de uma
disputa política específica e sim tendo o fim geral da transformação radical e
total das relações sociais, a emancipação humana, como objetivo. E esse
processo é realizado através da percepção da realidade e necessidade de
expressá-la, o que é realizado através do conceito. O conceito, que é um signo,
é expressão da realidade, que é o significado. O signo pode ser escolhido no
interior de uma certa arbitrariedade ou convencionalidade, mas não pode ser
mero capricho individual, idiossincrático. A escolha do signo, que será o
conceito, obedece aos processos acima delimitados e busca ser o mais adequado
possível à realidade que busca expressar. O significado, por sua vez, é o
aspecto da realidade que o conceito busca expressar. Desta forma, na elaboração
dialética do conceito se inicia pela necessidade de explicitar um significado e
por isso esse processo começa pela distinção de qual aspecto da realidade se
busca expressar. O significado é o ser, o aspecto da realidade, que o signo
visa expressar e, portanto, é por este que se deve iniciar.
Logo, para que o conceito de movimentos sociais seja
elaborado é preciso saber a que conjunto de fenômenos sociais ele se refere. Trata-se
de um conjunto de fenômenos que podemos denominar movimento estudantil,
movimento negro, movimento feminino, movimento ecológico, entre diversos
outros. Uma vez esclarecido qual é o conjunto de fenômenos que são englobados
no conceito de movimentos sociais[6],
então o passo seguinte é sua conceituação. A melhor definição de movimentos
sociais é como “movimentos de grupos sociais” (JENSEN, 2016; VIANA, 2016a).
Porém, é preciso compreender que não se trata apenas de palavras e vínculos de
palavras com fenômenos sociais, pois um conceito, que é uma unidade de uma
teoria, remete a diversos outros conceitos (a começar pelo de grupos sociais)[7].
Essa definição é apenas uma parte do conceito, que precisa outros conceitos
para se constituir enquanto tal. Os movimentos sociais são movimentos de grupos
sociais quando estes, devido insatisfação com determinada situação social
específica, gera um senso de pertencimento, objetivos e mobilização (VIANA,
2016a) e cada um desses elementos necessita explicação e desenvolvimento.
É preciso deixar claro que este conceito de movimentos
sociais aponta para sua concreticidade, pois engloba a totalidade do fenômeno,
sua historicidade e sua determinidade: os movimentos sociais só surgem quando
os grupos sociais se tornam “efetivos” ou “em fusão”, a partir dos outros
elementos constitutivos acima delimitados, o que depende de condições sociais
externas ao mesmo (a insatisfação social não é do grupo com ele mesmo e sim com
sua situação social específica). Isso é apenas parte da questão, pois é necessário
analisar as variedades de movimentos sociais, as suas ramificações (tendências,
organizações, etc.), entre diversos outros fenômenos correlatos e derivados.
Assim, aqui já mostramos uma contribuição de Marx, que é a
elaboração de um conceito de movimentos sociais a partir do método dialético
desenvolvido por ele. No entanto, outra contribuição, derivada do método
dialético, é a questão da especificidade dos movimentos sociais. Os movimentos
sociais não são movimentos de classes sociais e por isso o movimento operário,
o movimento camponês, etc., não se incluem nesse conceito. Esse esclarecimento
conceitual é fundamental, inclusive para termos uma compreensão mais adequada
da contribuição de Marx para a teoria dos movimentos sociais. O ponto
fundamental aqui é o que diferencia movimentos sociais e movimentos de classes
sociais.
Os movimentos sociais são gerados por grupos sociais e os
movimentos de classes, obviamente, por classes sociais. Aqui a diferenciação
entre grupos sociais e classes sociais se torna fundamental. Um movimento de
classe (como o operário, camponês, etc.) tem como objetivo os interesses de
classe, sejam eles interesses imediatos ou fundamentais[8].
As classes sociais são compostas por um conjunto de indivíduos que possui um
modo de vida comum, interesses comuns e luta em comum contra outras classes,
derivados da divisão social do trabalho, que, por sua vez, é determinada pelas
relações de produção (MARX e ENGELS, 1982; VIANA, 2012)[9].
As lutas e os interesses das classes sociais remetem para a totalidade da
sociedade, tanto nas relações de produção quanto nas formas sociais
(“superestrutura”), pois as classes são relacionais e só existem em suas
relações e lutas[10].
Entre os interesses imediatos de todas as classes sociais
está a luta em torno do mais-valor. No caso das classes fundamentais, o
proletariado luta para diminuir a extração de mais-valor e, quando se torna
classe autodeterminada, para a abolir, enquanto que a burguesia luta para a
manter e aumentar. Essa luta se manifesta imediatamente na luta por aumentos
salariais e outras reivindicações proletárias e na busca de aumento do lucro,
por parte da classe capitalista. Uma vez produzido o total de mais-valor num
determinado contexto, o mais-valor global é repartido em toda a sociedade e
cada classe social busca para si um montante maior do mesmo. A burocracia, como
classe auxiliar da burguesia, fica com uma parte considerável do mais-valor
global, bem como, em menor grau, a intelectualidade. Em certos momentos
históricos de uma sociedade, a classe latifundiária fica com uma parte
considerável do mais-valor global. As classes desprivilegiadas, com exceção do
proletariado, ficam com uma parte irrisória do mais-valor global e as classes
instituídas por relações de produção não-capitalistas, como o campesinato,
sofrem com os “métodos secundários de exploração capitalista”. Assim,
aparentemente, a luta de classes gira em torno da renda e de várias formas em
que ela se reparte (incluindo o acesso aos bens coletivos e culturais), mas que
é, no fundo, uma luta pela repartição do mais-valor global.
Essa luta, por sua vez, se relaciona com o aparato estatal,
que é um dos principais mecanismos de repartição do mais-valor global. O Estado
drena uma parte considerável do mais-valor global via impostos e outros meios e
sustenta sua imensa máquina burocrática (o que inclui a burocracia estatal,
tanto a estatutária quanto a governamental, além de subalternos e todos os
demais)[11] e
reparte parte do mais-valor sob outras formas, como a prevaricação[12],
as políticas estatais de assistência social, etc.
Seria necessário dedicar um tempo e espaço extenso para
apresentar todas as formas de repartição dos mais-valor global e por isso nos
limitamos a esses aspectos[13]. A
base de todo esse processo é a divisão social do trabalho, que constitui as
classes sociais e é de onde elas lutam por tal repartição do mais-valor. A luta
de classes é uma luta que remete à totalidade da sociedade, mesmo quando se
limita aos interesses imediatos.
Os grupos sociais que constituem os movimentos sociais
possuem outra dinâmica e interesses. O movimento negro, por exemplo, combate o
racismo, que é um problema específico dos negros. Sem dúvida, ele pode, em
alguns de seus setores, para combater o racismo, entrar na luta pela repartição
do mais-valor. Ao exigir políticas de ação afirmativa, que significa dispêndio
estatal, exige uma parte do mais-valor global. A justificativa para tal
exigência, no entanto, não é o atendimento de necessidades de uma classe social
e nem a divisão social do trabalho, e sim o passado histórico e/ou a situação
racial. Mas também pode reivindicar uma legislação antirracista, o que não
entra diretamente na repartição do mais-valor. O primeiro caso não seria
semelhante? Apresenta um elemento de semelhança, pois remete ao processo de
repartição do mais-valor, mas a reivindicação não é para beneficiar uma classe
social e sim um grupo social, o que revela sua diferença. No segundo caso, a
diferença é radical, pois se trata de uma questão específica de um grupo específico.
Isso é derivado da diferença entre classe social e grupo social.
Sem dúvida, setores do movimento negro podem colocar como
objetivo a revolução socialista ou apoiar determinada candidatura ao governo ou
defendê-lo, mas isso é derivado de como os indivíduos dos grupos sociais que
atuam nos movimentos sociais compreendem a sociedade, o que remete, por sua
vez, ao problema da hegemonia (na sociedade e no movimento), as tendências
internas, as distintas organizações com seus distintos interesses, etc. Essa posição
diante das questões nacionais, governamentais, luta por transformação social,
são parte do “duplo objetivo” existente nos movimentos sociais (VIANA, 2016c).
Nenhum grupo social está fora da sociedade ou existe sem ligação com as lutas
de classes (incluindo a política institucional, que remete ao problema das
eleições, governos, disputas partidárias, etc.). O objetivo específico é o que
constitui, legitima, o movimento social ou suas ramificações. Este é a sua
razão de existir. O objetivo geral é um apêndice ou um segundo objetivo que
pode ganhar força dependendo da ramificação do movimento social, podendo,
inclusive se tornar principal em algumas ramificações, que, no entanto, não
abandona o objetivo específico, pois se o fizer deixa de ser parte do movimento
social[14].
No entanto, resta uma questão. A luta salarial numa empresa
determinada ou numa categoria profissional é manifestação indireta da luta de
classes, mas a luta salarial em nível nacional é manifestação direta da luta de
classes. No primeiro caso, temos a reivindicação de setores, categorias, etc.,
da classe social e, noutro, da classe em seu conjunto. Essa foi a distinção que
Marx realizou ao abordar a diferença entre “movimento econômico”
(reivindicativo para setores da classe) e movimento de classe (reivindicativo
para o conjunto da classe, ou seja, “político”). A distinção do movimento reivindicativo
de parte da classe e movimento político do conjunto da classe serve como base
para entendermos que os movimentos sociais são fundamentalmente movimentos
reivindicativos quando se limitam aos objetivos específicos e, portanto,
manifestam indiretamente a luta de classes[15].
Quando setores dos movimentos sociais realizam reivindicações mais gerais para os
grupos sociais de base dos mesmos, isso não altera o quadro que continua
meramente reivindicativo. Isso só se rompe quando setores dos movimentos
sociais se unem com uma classe social e sua luta, especialmente no caso do
proletariado, pois é somente com ele que o processo de superação positiva do
capitalismo pode ocorrer.
Desta forma, movimentos sociais e movimentos de classe são
distintos, tanto pela base social de cada um (grupo ou classe)[16]
quanto pelos objetivos e outros elementos derivados. Um elemento fundamental de
diferenciação é que as classes sociais são relacionais (divisão social do
trabalho, exploração e distribuição de bens, aparato estatal, etc.) e os grupos
sociais nem sempre. Esse esclarecimento conceitual é fundamental para observar
a contribuição de Marx para uma teoria dos movimentos sociais. A partir dessa
clarificação conceitual podemos dizer que Marx não abordou diretamente os
movimentos sociais, a não ser algumas poucas referências aqui ou ali a um
processo embrionário dos mesmos, como mostraremos adiante. O movimento
operário, assim como o camponês, são movimentos de classe e não movimentos
sociais.
Portanto, a abordagem de Marx sobre o movimento operário não
serve de “modelo” para analisar os movimentos sociais, tanto por ele não ser um
movimento social quanto por ter bases e dinâmica bem distintas. Obviamente que,
em alguns casos, isso é feito para “resgatar Marx” para uma discussão em
evidência, a dos movimentos sociais. Só que isso é feito através de uma forma
equivocada e que acaba confundindo mais que esclarecendo. Em outros casos, a
motivação oculta é colocar Marx como apenas mais um dos pensadores que se
dedicou ao estudo dos movimentos sociais ou tornar o movimento operário apenas
mais um movimento social entre outros e que estaria em declínio diante dos
demais, que estariam em ascensão. Nesse sentido, é preciso superar esses
equívocos e mostrar a real contribuição de Marx para uma teoria dos movimentos
sociais.
A Contribuição de Marx para a Análise dos
Movimentos Sociais
Se Marx não abordou diretamente e profundamente os
movimentos sociais, em parte por causa da época em que produziu suas obras, e
sim o movimento operário e outros fenômenos, então qual é sua contribuição para
uma teoria dos movimentos sociais? Consideramos que sua contribuição é
diversificada e sob formas distintas, umas mais diretas, outras mais indiretas.
Sinteticamente, podemos dizer que Marx contribui para uma teoria dos movimentos
sociais através do método, da teoria da história e da sociedade, da teoria do
capitalismo, elementos mais específicos, e em alguns casos esparsos, de sua
obra que podem ser vinculados com os movimentos sociais (teoria da ideologia,
das formas de consciência, do Estado, etc.), apontamentos sobre os grupos
sociais de base que geram movimentos sociais.
Seremos sintéticos na análise dessas contribuições,
especialmente no caso do método dialético. Marx, ao elaborar o método
dialético, forneceu uma ferramenta intelectual imprescindível para a análise da
realidade e, por conseguinte, para a análise dos movimentos sociais e
constituição de uma teoria sobre eles. Demonstramos, anteriormente, como,
através do método dialético, é possível elaborar um conceito de movimentos
sociais que ultrapassa os problemas e limites das demais definições (desde as
embasadas em ideologias quanto as “empíricas”). Da mesma forma, contribui com
sua teoria da realidade que nos permite perceber que os movimentos sociais são
determinados, históricos e totalidades no interior de outra totalidade. Partindo
dessa concepção é relativamente fácil perceber que os movimentos sociais
surgiram em determinado momento e se desenvolveram graças a diversas
determinações que expressam mudanças sociais (ou seja, na totalidade, que é a
sociedade). Ele também contribui ao fugir da ilusão que foi denominada por
Hegel como o “espírito da época”, especialmente possibilitando uma perspectiva
crítica e não apologética dos movimentos sociais.
A teoria da história das sociedades desenvolvida por Marx,
que contém uma teoria da sociedade, é outra contribuição fundamental. Não
apenas, e novamente, por recuperar a historicidade, mas por ressaltar a questão
da especificidade histórica[17]. A
percepção da especificidade histórica é fundamental para entendermos que certos
fenômenos existem em todas as sociedades (modo de produção, cultura, etc.), e
outros que só existem em determinado conjunto de sociedades (Estado, classes
sociais, exploração, etc.) e, ainda, alguns que só existem em uma sociedade
(como, no capitalismo, mais-valor, acumulação de capital, proletariado,
burguesia, movimentos sociais, etc.). Assim, fica mais claro a questão da
historicidade dos movimentos sociais, que surgem a partir de certo momento do
desenvolvimento capitalista e se transformam junto com suas mutações (que
denominamos regime de acumulação). A teoria da sociedade de Marx, incluída em
sua teoria da história, também traz elementos fundamentais para pensar os
movimentos sociais, como a questão das classes sociais, das lutas de classes,
da ideologia e formas de consciência que emergem a partir delas, das formas
sociais (“superestrutura”) em geral. A análise dos interesses, das formas de
consciência, etc., são elementos imprescindíveis para uma compreensão mais
profunda dos movimentos sociais.
Uma das principais contribuições é a teoria do capitalismo
de Marx. Embora seja pouco compreendida (a maioria se limita a ler apenas o
volume 01 de O Capital, onde coloca a
questão essencial da produção do mais-valor, mas que tem desdobramentos e que
estão nos demais volumes da obra), a sua teoria do capitalismo apresenta uma
análise do modo de produção capitalista ampla que ajuda a entender a sociedade
capitalista em geral. A teoria do mais-valor, ao lado dos elementos complementares
(especialmente a acumulação de capital), são fundamentais, bem como o processo
de produção de mercadorias, o fetichismo das mercadorias, as lutas operárias
(tal como a pela redução da jornada de trabalho), o significado do capital
improdutivo (comercial, bancário, etc.), as necessidades da reprodução ampliada
do capital, etc. Para entender os movimentos sociais é preciso entender essa
sociedade e sua dinâmica, e, nesse sentido, Marx oferece uma contribuição
fundamental.
A teoria do modo de produção capitalista de Marx oferece a
chave explicativa do desenvolvimento capitalista e sua ressonância nos
movimentos sociais, tanto em seu processo de formação, alteração, hegemonia
interna, etc. Sem a teoria do modo de produção capitalista de Marx não seria
possível compreender a evolução do capitalismo como uma sucessão de regimes de
acumulação (VIANA, 2009; VIANA, 2015c). Os regimes de acumulação explicam as
mutações e características de cada fase do capitalismo, o que significa uma
determinada forma estatal (e isso incide sobre a análise das relações entre
movimentos sociais e aparato estatal), processo de valorização e relações
internacionais, elementos que exercem determinações sobre as formas sociais em
geral e os movimentos sociais em particular.
A luta de classes, que está na base desse processo (a
própria produção de mais-valor é luta de classes, pois é quando a burguesia
impõe o trabalho alienado e a exploração e o proletariado resiste) e se
generaliza em toda sociedade, se manifestando na produção, sociedade civil,
cultura, etc. A dinâmica do movimento operário, por sua vez, é fundamental para
entender a dinâmica dos movimentos sociais. Pois é nesse processo que emerge as
divergências e tendências no inferior dos movimentos sociais, bem como as
forças hegemônicas e isso se altera com a dinâmica da luta de classes. Em
momentos de crise de um regime de acumulação e de radicalização das lutas de
classes, os movimentos sociais também radicalizam e avançam (como no final dos
anos 1960)[18].
A dinâmica da luta de classes e do processo de intensificação da repressão que
lhe acompanha também é importante para explicar a dinâmica dos movimentos
sociais, entre diversos outros aspectos.
É também a partir dessa análise de Marx que se torna
possível analisar a mercantilização das relações sociais. A compreensão do processo
de mercantilização das relações sociais e como isso afeta os movimentos sociais[19]
só é possível a partir da teoria do modo de produção capitalista de Marx, bem
como de diversos outros elementos derivados. A sucessão de regimes de
acumulação, por sua vez, explica o processo de intensificação da
mercantilização e isso ajuda a compreender a dinâmica dos movimentos sociais e
a transformação de setores do mesmo em organizações burocráticas que já não
fazem mais parte dele (VIANA, 2016). A análise das ondas de mercantilização (e
de burocratização) e das escalas de mercantilização (e grau de burocratização)
são elementos fundamentais para explicar como determinadas ramificações de
movimentos sociais se transformam em organizações burocráticas e abandonam seu
vínculo com os mesmos. Sem a análise de Marx sobre a produção especificamente
capitalista de mercadorias e sobre o processo de acumulação de capital, a
percepção desse processo teria sido impossibilitada.
Entre estes elementos podemos citar a questão da consciência,
ideologia, aparato estatal, etc., em suas formas mais concretas, ou seja, tal
como se manifestam no capitalismo. A hegemonia e as ideologias burguesas e seu
impacto sobre os movimentos sociais é uma questão fundamental. É nesse campo
específico que se coloca a questão da cultura e das mutações culturais do
capitalismo. O vínculo das formas de consciência com as classes e interesses de
classes é outro ponto fundamental. A partir da teoria geral de Marx sobre
consciência e ideologia, bem como de sua análise específica de suas
manifestações na sociedade capitalista, temos toda uma base teórica para uma
compreensão mais adequada da relação entre movimentos sociais e cultura[20]. E
nesse contexto, as mutações do capitalismo são também mutações culturais e as
renovações hegemônicas e novas ideologias que emergem são produto dessa mudança
histórica, expressa pela sucessão de regimes de acumulação. Uma compreensão
mais adequada das novas concepções, ideologias, representações, criadas e que
possuem impacto sobre os movimentos sociais, tal como o neoliberalismo,
pós-estruturalismo, etc. é uma necessidade analítica.
A burocratização das relações sociais também é outro
elemento fundamental que acompanha a mercantilização. Esses processos culturais
e que se desenvolvem na sociedade civil e aparato estatal são elementos importantes
para a compreensão dos movimentos sociais. A relação entre movimentos sociais e
aparato estatal é uma das mais importantes e a análise que Marx realizou do
Estado capitalista assume grande importância para entender essa relação. A
análise de Marx da burocracia, especialmente a estatal e a empresarial, abre
espaço para a percepção da crescente burocratização das relações sociais. Na
época de Marx, a burocracia civil estava surgindo embrionariamente e ele
vislumbrou isso e foi um dos pioneiros da crítica da burocracia partidária e
sindical (VIANA, 2015d), apesar do seu
estágio rudimentar, o que trouxe limites para a crítica, mas não a
impossibilitou.
Por fim, Marx também contribui com alguns apontamentos sobre
grupos sociais que geram movimentos sociais. Nesse caso, é uma contribuição que
abarca o processo da situação social específica que gera insatisfação nos
grupos sociais que são elementos necessários para a emergência de um movimento social.
A grande maioria dos grupos sociais que vão gerar movimentos sociais surgirá
muito tempo depois. Alguns já existiam, mas só gerarão movimentos sociais
muitas décadas após. Marx fez alguns apontamentos muito breves sobre questão
racial e outras, como a questão nacional, relacionadas com alguns movimentos
sociais, mas teve um grupo social que apontou elementos que contribuem para a
compreensão da razão dele ter gerado um movimento social.
Trata-se das mulheres. Marx fez várias declarações sobre a
questão da mulher na sociedade capitalista (e também sob forma mais
generalizada). Uma das principais razões para a emergência do movimento
feminino é a opressão da mulher na forma específica realizada na sociedade
capitalista. Em várias passagens de sua obra ele aborda essa questão. Marx
mostra como, na sociedade capitalista, se cria um conjunto de problemas sociais
derivados dela e coloca que não é apenas o proletariado que sofre nessa
sociedade:
Em alguns trechos sobre o “suicídio”, extraídos das “mémoires tirés
desenvolvimento archives de la police etc., par Jacques Peucheut”, darei um
exemplo dessa crítica francesa [...], que ao mesmo tempo pode nos mostrar até
que ponto a pretensão dos cidadãos filantropos está fundamentada na ideia de
que se trata apenas de dar aos
proletários um pouco de pão e educação, como se somente os trabalhadores
definhassem sob as atuais condições sociais, ao passo que, para o restante da
sociedade, o mundo tal como existe fosse o melhor dos mundos (MARX, 2006, p.
22).
O que Marx mostra nesse breve texto no qual expõe o material
autobiográfico de Jacques Peucheut, é justamente o processo no qual o
capitalismo gera um processo destrutivo dos seres humanos em geral. Aqui Marx
mostra, ao contrário do que alguns pseudocríticos afirmam, que somente o
proletariado é atingido pelos males do capitalismo e que ele não sabia ou
desconhecia outros problemas sociais além dos que acometiam essa classe.
Obviamente, que, por ser o proletariado a classe revolucionária, o seu foco era
sobre ela, mas ele via na emancipação dos trabalhadores a emancipação humana em
geral (MARX e ENGELS, 1988; MARX e ENGELS, 1982). Marx afirma que Peucheut, devido
sua experiência militante, proporcionou uma “crítica das relações de
propriedade, das relações familiares, e das demais relações privadas – em uma
palavra, a crítica da vida privada” (MARX, 2006). Esse rebento que aparece como
novidade para a abordagem culturalista ou dos supostos “novos movimentos
sociais” já era efetivada por Marx muito antes. Antes de Habermas tratar do
“mundo da vida”, Marx já mostrava a existência de uma crítica da vida privada.
Contudo, há uma diferença fundamental entre a crítica marxista e a abordagem
culturalista. Adiante retornaremos a isso.
O modo de vida capitalista, que é um “modo de vida fútil” (LEROY, 2014) , gera o suicídio até
nas classes privilegiadas, tal como se vê na citação de Peucheut por Marx, no
qual cita um conjunto de motivos para tal nos “meios abastados”, tal como os
“amores traídos”, “falsas amizades”, “desgosto de uma vida monótona”, etc. A
razão do suicídio encontra-se na sociedade: “que tipo de sociedade é esta, em
que se encontra a mais profunda solidão no seio de tantos milhões” (PECHEUT
apud MARX, 2006, p. 28). A partir das citações de Peucheut, Marx mostra o
suicídio feminino gerado por repressão sexual, ciúmes, moral sexual. A
sociedade capitalista, que gera uma competição desenfreada e torna o ciúme um
sentimento predominante, bem como a preservação da propriedade, especialmente no
século 19, quando os métodos contraceptivos ainda não haviam se desenvolvido
como ocorrerá posteriormente, gerando repressão e moral repressiva, são
processos que atingem principalmente as mulheres.
A crítica de Marx da família burguesa (MARX e ENGELS, 1988) complementa
a crítica da opressão feminina expressa neste opúsculo. Da mesma forma, a
opressão feminina é gerada pela sociedade capitalista[21] e
por conseguinte é preciso superar tal sociedade. Ao afirmar que o grau de
civilização da humanidade pode ser medido pelas relações entre homens e
mulheres (MARX, 1983b) aponta para não somente uma crítica da opressão capitalista
da mulher, como também para sua superação, pois, em outra obra, afirma que o
objetivo do comunismo é arrancar a mulher da situação de ser “instrumento de
produção” (MARX e ENGELS, 1988). O processo de humanização significa a
superação da opressão da mulher e o comunismo[22]
seria a forma de concretização desse processo.
Essa abordagem de Marx, apesar de ser apontada em escritos
esparsos e não em uma obra estruturada visando abordar especialmente esse tema,
mostra a situação de um grupo social que posteriormente será gerador de
movimento social, e da necessidade de entender a situação social específica de
tal grupo e sua insatisfação social, no interior do conjunto das relações
sociais em que ele existe. Aqui o método dialético reaparece, no sentido de
mostrar a relação entre o particular e o total, que é sua forma específica de
inserção na totalidade (VIANA, 2007). A especificidade de um grupo social gera
a especificidade do movimento social que emerge a partir dele e por isso é
necessário entender os movimentos sociais em geral e os movimentos sociais
específicos (JENSEN, 2016). Assim, no contexto da época em que Marx viveu, já
apontou para a crítica da vida privada e também para a situação da mulher na
sociedade capitalista, antes de surgir o movimento feminino e as ideologias
feministas, bem como antes de surgir o culturalismo e o discurso sobre o “mundo
da vida”. Essa consciência antecipadora, no entanto, possui outra base
teórico-metodológica e por isso seu desenvolvimento significa uma contribuição
muito mais sólida e importante do que as de algumas abordagens contemporâneas,
especialmente as culturalistas, fundadas no reducionismo e na recusa da
totalidade concreta. O reducionismo, elemento característico do pensamento
burguês busca se opor ao marxismo, mas o marxismo é a superação teórica e
prática de todas as formas de reducionismo.
Considerações Finais
Em síntese, o que buscamos aqui foi apresentar a
contribuição de Marx para uma teoria dos movimentos sociais. Antes foi necessária
uma análise dos escritos de alguns que abordaram essa contribuição ou a limitaram/recusaram
e, posteriormente, um esclarecimento conceitual que já apontou algumas das
contribuições, o que foi complementado por um item dedicado especificamente a
isso.
A conclusão geral a que chegamos é que Marx foi um autor que
ofereceu uma inestimável contribuição para a constituição de uma teoria dos
movimentos sociais. Desta forma, aqueles que recusam ou negam tal contribuição
deixam de lado um rico referencial teórico-metodológico para a análise dos
movimentos sociais e também vários aspectos da realidade que seriam
incorporados ao utilizá-lo. Por outro lado, aqueles que não compreendem
adequadamente o pensamento de Marx, buscam extrair dele elementos de sua
concepção que são descontextualizados e, assim, deformados. Um desses elementos
é utilizar a análise de Marx do movimento operário, o movimento de uma classe
revolucionária, e sim apresentar uma concepção apologética dos movimentos
sociais.
Assim, querer usar o termo “práxis” ou mesmo “solidariedade”,
que Marx utilizou para analisar o movimento operário é uma extrapolação. Sem
dúvida, o conceito de práxis é muito amplo e por isso pode ser percebido em
alguns movimentos sociais, bem como a solidariedade. Porém, se manifesta de
forma distinta e, o mais importante, não se manifesta em todos os movimentos
sociais ou em todas as ramificações de um movimento social. Os movimentos
sociais conservadores e as tendências conservadoras nos movimentos sociais
reformistas não possuem a solidariedade como valor e essa transposição acaba
reforçando uma concepção ingênua e apologética dos movimentos sociais. Desta
forma, a contribuição real de Marx é esquecida (e não praticada, tal como o uso
do método dialético) e em seu lugar aparece uma contribuição fantasmática que
mais confunde e cria representações ilusórias do que ajuda a compreender os
movimentos sociais.
Por tudo isso, fica claro que Marx traz uma grande
contribuição para uma teoria do movimentos sociais, ainda muito incipiente e
incompleta, e que precisa se inspirar nesse autor para avançar e se
desenvolver. O nosso objetivo foi destacar esse elemento fundamental e fundamentá-lo
e consideramos que o alcançamos.
Referências
ALONSO, A., 2009. As Teorias dos Movimentos Sociais:
Um Balanço do Debate. Lua Nova, Issue 76.
BELL, D., 1969. O Advento da Sociedade
Pós-Industrial. Lisboa: Difel.
BICCA, L., 1987. Marxismo e Liberdade. São
Paulo: Edições Loyola.
BORJA, J., 1975. Movimientos Sociales
Urbanos. Buenos Aires: Nueva Visión.
BRAGA, L., 2013. Terry Eagleaton Contra os
Pós-Modernos. In:: L. e. M. E. BRAGA, ed. Intelectualidade e Luta de
Classes. São Carlos: João e Pedro Editores.
CASTELLS, M., 1988. Cidade, Democracia e
Socialismo. 2a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
CASTELLS, M.,
1988. Movimientos Sociales Urbanos. México: Siglo XXI.
EAGLETON, T., 1998. As Ilusões do Pós-Modernismo. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar.
GOHN, M. d. G., 2002. Teorias dos Movimentos
Sociais. 3a edição ed. São Paulo: Edições Loyola.
GOHN, M. d. G., 2008. Novas Teorias dos Movimentos
Sociais. São Paulo: Edições Loyola.
GUNDER FRANK, A. e. F. M., 1989. Dez Teses sobre os
Movimentos Sociais. Lua Nova, Issue 17.
JENSEN, K., 2016. Que Fazer?. Goiânia: Edições
Redelp.
KORSCH, K.,
1983. Karl Marx. Barcelona: Ariel.
LACLAU, E.,
1986. Os Novos Movimentos Sociais e a
Pluralidade do Social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 01(02).
LAZZARATO, M. e. N. A., 2001. Trabalho Imaterial,
Formas de Vida e Produção de Subjetividade. São Paulo: DP&A.
LEROY, P., 2014. O Vento ou a Vida - O Modo de Vida
Capitalista como Modo de Vida Fútil. Marxismo e Autogestão, 01(01).
LOJKINE, J., 1981. Estado Captalista e Questão
Urbana. São Paulo: Martins Fontes.
MARX, K. e ENGELS, F., 1982. A Ideologia Alemã
(Feuerbach). São Paulo: Ciências Humanas.
MARX, K., 1983. Contribuição à Crítica da Economia
Política. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes.
MARX, K., 1983. Manuscritos Econômico-Filosóficos.
In:: E. FROMM, ed. O Conceito Marxista do Homem. Rio de Janeiro: Zahar.
MARX, K., 1988. O Capital. 3a ed. São Paulo:
Nova Cultural.
MARX, K., 1989. A Miséria da Filosofia. 2a ed.
São Paulo: Global.
MARX, K., 2006. O Suicídio. São Paulo:
Boitempo.
MARX, K. e. E. F., 1979. A Ideologia Alemã. Vol.
2.. Lisboa: Presença.
MELUCCI, A., 1989. Um Objetivo para os Movimentos
Sociais?. Lua Nova, 10(17).
OFFE, C., 1989. Trabalho e Sociedade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro.
PANNEKOEK, A.,
1978. Los Consejos Obreros. Madrid: Zero.
SCHERER-WARREN, I.,
1989. Movimentos Sociais - Ensaio de
Interpretação Sociológica. 3a ed.
Florianópolis: Editora da UFSC.
TOURAINE, A., 1970. A Sociedade Post-Industrial. Lisboa:
Moraes.
VIANA, N., 2008. Senso Comum, Representações
Sociais, Representações Cotidianas. Bauru: Edusc.
VIANA, N., 2009. O Capitalismo na Era da
Acumulação Integral. São Paulo: Ideias e Letras.
VIANA, N., 2010. Cérebro e Ideologia. Jundiaí:
Paco.
VIANA, N., 2012. A Teoria das Classes Sociais em
Karl Marx. Florianópolis: Bookess.
VIANA, N., 2013. Imaginário e Ideologia - As Ilusões
nas Representações Cotidianas e no Pensamento Complexo. Espaço Livre, 7(13).
VIANA, N., 2014. Karl Korsch e a Concepção
Materialista da História. São Paulo: Scortecci.
VIANA, N., 2015a. A Pesquisa em Representações
Cotidianas. Lisboa: Chiado.
VIANA, N., 2015b. Burocracia: Forma Organizacional e
Classe Social. Marxismo e Autogestão, 2(3).
VIANA, N., 2015c. Estado, Democracia e Cidadania. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Rizoma.
VIANA, N., 2015d. Marx e a Burocracia. Plural, 5(02).
VIANA, N., 2016a. Os Movimentos Sociais. Curitiba:
Prismas.
VIANA, N., 2016b. A Mercantilização das Relações
Sociais. Rio de Janeiro: Ar editora.
VIANA, N., 2016c. Os Objetivos dos Movimentos
Sociais. Movimentos Sociais, 01(01).
* Professor da Faculdade de Ciências
Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de
Goiás. Doutor em Sociologia pela UnB e pós-doutor pela USP.
[1]
Adiante vamos discutir a relação entre movimento de classe e movimentos
sociais, mas mesmo para as abordagens que consideram o movimento operário como
um movimento social, essa transferência é indevida, pois ele seria parte e não
o todo e seria necessário realizar essa distinção e compreender tudo que é
derivado disso, o que não ocorre no caso. Por exemplo, Marx considera o
proletariado como uma classe revolucionária e apenas as classes que se aliam (o
que é a tendência das classes que podemos denominar “desprivilegiadas”, tais
como campesinato, lumpemproletariado, etc.) a ele exerceriam um significado
análogo, sendo que as demais classes (que podemos denominar “privilegiadas”,
como a burguesia, os latifundiários, os burocratas, etc.) são tidas como
conservadoras. Os movimentos sociais, em sua maioria, são policlassistas e
isso, por si só, já coloca um problema e dificilmente poderíamos esquecer que
os movimentos sociais são hegemonicamente reformistas e que existem movimentos
sociais conservadores (VIANA, 2016a).
[2]
Para uma crítica do uso do termo “pós-moderno” (pós-modernidade e
pós-modernismo) e crítica de algumas ideologias chamadas “pós-modernas”, cf.
Viana (2009). Essas concepções também foram criticadas por Eagleton (EAGLETON, 1998; BRAGA,
2013).
[3]
Melucci distingue definições empíricas e definições analíticas. Apesar de
concordarmos parcialmente com suas considerações, julgamos mais adequado
denominar as demais como “definições modelares”, pois acabam funcionando como
um “modelo” ou sendo derivados de um modelo (tal como o funcionalismo).
[4]
Isso foi explicitado por Marx (1989), Pannekoek (1978), Viana (2012), entre
outros.
[5]
Sobre representações cotidianas, cf. (VIANA,
2008; VIANA, 2015a).
[6] O
signo (palavra) “movimentos sociais”, por sua vez, é o que um grande número de
autores assim denominou, embora muitas vezes impropriamente. Mas também é usado
nos próprios movimentos sociais, nos meios de comunicação, etc. Outro signo
poderia ter sido escolhido, como, por exemplo, movimentos grupais. Contudo,
isso seria um obstáculo para o entendimento e para a difusão da teoria. Por
isso, como o termo “movimentos sociais” não é obstáculo e nem traz
dificuldades, pode ser usado. Nesse caso, é a sua conceituação que se torna o
problema, mas, sendo realizada adequadamente, atende à necessidade de expressar
a realidade.
[7]
Sobre grupos sociais, cf. Viana (2016a).
[8] Os
interesses imediatos são aqueles que estão ligados à reprodução da classe
dentro do capitalismo (no caso das classes desprivilegiadas, é o caso da
sobrevivência, do acesso a bens culturais e coletivos, etc.) e os interesses
fundamentais são aqueles ligados à solução definitiva dos seus problemas (no
caso do proletariado, abolição da extração de mais-valor, ou seja, do
capitalismo e de si mesmo). O proletariado tem como interesses imediatos
melhores salários e condições de trabalho e como interesse fundamental a
instauração da autogestão social.
[9]
Obviamente que aqui se trata da concepção de Marx, muito mais complexa que a
simplificação economicista de Lênin (VIANA, 2012) e reproduzida por diversos
outros, que relacionam classes sociais e meios de produção ou, em alguns casos,
relações de produção, deixando de lado o que as caracteriza enquanto classes e
também que nem todas as classes estão ligadas diretamente às relações de
produção e muito menos aos meios de produção, pois existem as classes improdutivas,
ligadas às formas sociais, ou “superestrutura” (VIANA, 2012).
[10]
Isso é suficiente para ver a diferença entre a concepção marxista de classes
sociais e as ideologias da estratificação social e a simplificação que é dividir
a sociedade em classes A, B, C, D, ou alta, média e baixa, que não passa de criação
de sistemas classificatórios arbitrários (VIANA, 2012).
[11]
Sobre burocracia como classe social, cf. Viana (2012; 2015b).
[12] A
prevaricação é a conversão da renda estatal em renda pessoal ou empresarial,
ou, em palavras mais simples, do público em privado, tal como no caso da
corrupção, subsídios para empresas capitalistas, etc. (VIANA, 2016b).
[13] A
teoria da repartição do mais-valor está exposta em O Capital (MARX, 1988) e é retomada e desenvolvida em Viana
(2016b).
[14] O
movimento negro é apenas um caso concreto, pois esse fenômeno se manifesta em
todos os movimentos sociais, com diferenças e sob formas distintas, dependendo
do movimento social específico em questão.
[15]
Uma outra consequência desse processo é que as classes sociais podem gerar
grupos sociais específicos que, por sua vez, podem gerar movimentos sociais
específicos. É o caso do lumpemproletariado, que pode gerar, em um dos grupos
sociais gerados por ele, um movimento social, como o movimento piqueteiro na
Argentina ou, então, setores do movimento operário que geram grupos
situacionais que podem gerar um movimento social urbano. Os grupos sociais
derivados de apenas uma classe social também podem gerar um duplo objetivo,
sendo que o objetivo específico não ultrapassa os limites reivindicativos e o
objetivo geral pode ser nacional (como reforma urbana no caso dos movimentos
sociais urbanos), governamental (eleger determinado governo que promete reforma
urbana ou qualquer outra coisa que beneficie o grupo social) ou revolucionário
(aqui se reaproxima do caráter de classe, mas ainda continua sendo parte de um
movimento social se não abandonar os objetivos específicos).
[16]
Seria interessante acrescentar que, em relação a determinados grupos sociais
geradores de movimentos sociais, existem alguns cujas diferenças são ainda
maiores. Esse é o caso dos grupos sociais cujo pertencimento é definido pela
corporeidade. Um indivíduo que nasce negro não pode sair do grupo, enquanto que
um indivíduo, apesar da raridade e dificuldade no caso ascendente, pode mudar
de classe. Sem dúvida, há alguns casos em que o indivíduo pode tentar isso
através de meios artificiais (remédios, cirurgias, etc.), mas a sua eficácia é
relativa e o fantasma do passado sempre assombra e cria vínculos irremovíveis.
[17]
Korsch foi o autor que mais ressaltou essa característica do materialismo
histórico (KORSCH, 1983; VIANA, 2014).
[18]
Isso foi perceptível no movimento estudantil e teve como expressão máxima a
Rebelião Estudantil de Maio de 1968 na França, bem como no Movimento Negro, nos
Estados Unidos, com a emergência de tendências contestadoras e radicais
(Panteras Negras, Poder Negro, etc.), entre outros casos concretos.
[19] A
chamada “teoria da mobilização de recursos” (ALONSO, 2009; GOHN, 2002) foi a
abordagem que mais se aproximou de uma análise desse processo de
mercantilização, ao focalizar as organizações e recursos. No entanto, sua base
ideológica (Weber, economia marginalista, escolha racional), geralmente
implícita, dificultava um avanço explicativo do fenômeno. Se essa base
ideológica tivesse sido substituída pela teoria do capitalismo de Marx, então
teria rompido com seus limites e teria podido explicar de forma muito mais
profunda e ampla o significado dos recursos no desenvolvimento das organizações
e sua atuação social na sociedade civil e em relação ao aparato estatal.
[20] A
chamada “teoria dos novos movimentos sociais” (ALONSO, 2009; GOHN, 2002)
apontou para alguns elementos dessa relação, mas sob forma metafísica e sem uma
teoria da consciência ou da ideologia mais especificamente. Assim, termos como
“cultura”, “identidade”, “imaginário”, entre outros construtos ideológicos,
aparecem como se surgissem do nada ou como se fossem “a verdade”, aquilo que
seria “definitivo” ou único, mesmo que sendo uma suposta “pluralidade”. As
bases reais e sociais (inclusive o estágio do desenvolvimento capitalista, ou
seja, o regime de acumulação da época) não aparecem. As ideias, a cultura, a
identidade, são apresentadas como descoladas da realidade ou superficialmente
ligadas a ela, ou, ainda, a partir de uma concepção evolucionista do saber,
pois na sociedade mais recente emergem as ideias melhores. Assim, a abordagem
da cultura e sua relação com os movimentos sociais é fundamental, mas da forma
em que a abordagem culturalista a efetiva, é mais um obstáculo do que uma
solução.
[21]
Marx estava distante dos maniqueísmos simplificadores que isolam as relações
entre homens e mulheres e atribuem aos indivíduos do sexo masculino a
responsabilidade da opressão feminina, gerando uma essencialização que tem no
termo “machismo” a sua concretização mais cristalina. Uma passagem de Peucheut,
descrita por Marx, mostra o suicídio de um homem, por ter ficado desempregado e
não poder sustentar sua família (uma esposa e duas filhas) e ter que viver dos
parcos rendimentos do trabalho delas. Isso é apenas um exemplo de que a
opressão não é apenas feminina, mas também masculina, embora em menor grau, mas
ambos são constituídos por esta sociedade e não pelo outro sexo. O moralismo e
a moral dominante são produtos sociais e históricos que atingem ambos os sexos
e não foi mera criação dos indivíduos do sexo masculino e sim de uma
determinada sociedade com suas relações sociais e necessidades derivadas,
incluindo o controle do corpo da mulher como forma de controle da propriedade e
da herança.
[22]
Não custa recordar que o que Marx entendia por “comunismo” nada tem a ver com o
que os partidos, países, indivíduos, autodeclarados “comunistas” dizem ou
realizam.
----------------------------------------------
Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. A Contribuição de Marx para a Teoria dos Movimentos Sociais. Revista Despierta, Ano 03, num. 03, 2016.
Disponível em: